ATA DA TRIGÉSIMA QUINTA SESSÃO SOLENE DA TERCEIRA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA SEGUNDA LEGISLATURA, EM 16-11-1999.

 


Aos dezesseis dias do mês de novembro do ano de mil novecentos e noventa e nove reuniu-se, no Plenário Otávio Rocha do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre. Às dezessete horas e trinta e seis minutos, constatada a existência de "quorum", o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da presente Sessão Solene, destinada a homenagear a Semana da Consciência Negra, nos termos do Requerimento nº 236/99 (Processo nº 3549/99), de autoria da Mesa Diretora. Compuseram a MESA: os Vereadores Nereu D'Ávila e Adeli Sell, respectivamente, Presidente e 1º Secretário da Câmara Municipal de Porto Alegre; a Senhora Márcia Bauer, representando o Senhor Prefeito Municipal; o Senhor João Alberto de Mattos, Coordenador da III Semana da Consciência Negra; o Senhor Elton Fraga, representando a Secretaria Estadual de Obras, Saneamento e Habitação; a Senhora Marta Laurindo Machado, representando a Seccional Gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil. A seguir, o Senhor Presidente convidou a todos para, em pé, ouvirem à execução do Hino Nacional e, em continuidade, concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Vereador Adeli Sell, em nome da Mesa Diretora e pelas Bancadas do PPB, PSB e PPS, analisando a importância da Resolução 1299, que institui a Semana da Consciência Negra na Câmara Municipal, disse ser a presente Sessão Solene um momento de reflexão e de compromisso com a luta contra a exclusão social, defendendo a tomada de medidas concretas de combate ao preconceito racial. A Vereadora Saraí Soares, em nome da Bancada do PT, discorreu sobre o Projeto de Lei do Legislativo nº 34/98, de autoria do Vereador Renato Guimarães, que institui, na rede de ensino municipal, o conteúdo "Educação Anti-Racista e Antidiscriminatória", salientando a necessidade de que seja contado às crianças a verdadeira história a respeito do negro em nosso País. O Vereador Luiz Braz, em nome das Bancadas do PTB, PSDB, PMDB e PFL, historiou acerca da vinda do negro para o Brasil, destacando a proximidade observada entre conceitos como pobreza e discriminação e criticando a política adotada pelo Executivo Municipal no tratamento dos diversos aspectos envolvidos em questões referentes ao preconceito racial encontrado em Porto Alegre. O Vereador Isaac Ainhorn, em nome da Bancada do PDT, afirmou ser a discriminação racial um dos problemas mais sérios e não resolvidos do País, atentando para a forma como o assunto é priorizado no programa do Partido Democrático Trabalhista e ressaltando que esta Casa "é referência de inúmeras ações concretas com relação à discriminação do negro". Em prosseguimento, a Senhora Marta Laurindo Machado procedeu à entrega de correspondência alusiva à presente solenidade, de autoria Senhor Walmir Martins Batista, Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional  do Rio Grande do Sul, e o Senhor Presidente concedeu a palavra ao Senhor Juarez Melo da Silva Júnior - Juninho, representante da Coordenação da Semana da Consciência Negra, que destacou a importância do registro hoje efetuada pela Casa, relatando fatos da história do negro e da sua participação na estrutura socioeconômica brasileira. Após, o Senhor Presidente convidou os presentes para, em pé, ouvirem à execução do Hino Rio-Grandense, agradeceu a presença de todos e, nada mais havendo a tratar, declarou encerrados os trabalhos às dezoito horas e trinta e quatro minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Vereadores Nereu D'Ávila e Adeli Sell e secretariados pelo Vereador Adeli Sell, 1º Secretário. Do que eu, Adeli Sell, 1º Secretário, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após distribuída em avulsos e aprovada, será assinada por mim e pelo Senhor Presidente.

 

 


O SR. PRESIDENTE (Nereu D’Ávila): Estão abertos os trabalhos desta Sessão Solene destinada a homenagear a Semana da Consciência Negra. Esta é uma proposição da Mesa Diretora da Câmara.

Convidamos a fazer parte da Mesa Diretora a Sra. Márcia Bauer, representante do Sr. Prefeito Municipal; o Coordenador da Terceira Semana da Consciência Negra, Sr. João Alberto de Mattos; o representante da Secretaria Estadual de Obras, Saneamento e Habitação, Sr. Elton Fraga.

Esta Sessão obedece à Resolução nº 1.299, que institui a Semana da Consciência Negra na Câmara Municipal e dá outras providências.

Convidamos todos para, em pé, ouvirmos o Hino Nacional.

 

(Executa-se o Hino Nacional.)

 

O SR. PRESIDENTE: Saudamos todas as lideranças e entidades aqui representadas. Estamos aqui para prestigiar a Semana da Consciência Negra, que envolve diversas manifestações, até de outras vertentes, por toda a Cidade.

Mas o que importa é que a imprensa está dando divulgação àquilo que vimos ressaltando, que é o resultado cada vez maior de uma consciência nesse sentido, objetivo desta Câmara a partir do Ver. Airto Ferronato, quando foi colocada em prática esta Resolução que vem sendo, todos os anos, cumprida por esta Casa, que é um marco para nós.

Nós, então, vamos conceder a palavra, já que é uma proposta da Mesa Diretora, ao nosso colega de Mesa e proponente da Sessão, Ver. Adeli Sell, que falará pelas Bancadas do PPB, PSB e PPS.

 

O SR. ADELI SELL: Meu caro Ver. Nereu D’Ávila, Presidente desta Casa; representante do Prefeito Municipal, Sra. Márcia Bauer; Coordenador da 3ª. Semana da Consciência Negra, João Alberto de Mattos; representante da Secretaria Estadual de Obras, Saneamento e Habitação, Sr. Elton Fraga; Srs. Vereadores e Vereadoras; Senhoras e Senhores.

Nós poderíamos, como representação da Casa do Povo de Porto Alegre, vir aqui e lembrar a história deste País. Quinhentos anos que foram vivenciados duramente por aqueles que fizeram este País, os negros tiveram uma grande presença.

Mas para que falar aqui, para as senhoras e os senhores, dessa história? Seria uma repetição, porque melhor do que eu, as senhoras e os senhores sabem dessa história.

Sem dúvida nenhuma, tenho a certeza de que aprenderia muito com cada um dos que estão aqui, se fossem falar sobre a história do nosso País, do nosso Brasil.

Nós, como representantes do povo de Porto Alegre, precisamos hoje, mais do que nunca, selar alguns compromissos que, muitas vezes, pairam pela sociedade, mas que faltam realizar no cotidiano, nos 365 dias do ano. A militância, a determinação de alguém que representa um povo, que representa uma cidade, é defender os interesses, os direitos daqueles que, muitas vezes, não têm vez e não tem voz.

Recentemente, o Poder Público local fez um acordo com uma grande multinacional, e se discutiu uma quota para mulheres e homens negros. Sem dúvida nenhuma, dentro de uma Cidade preconceituosa, e de muitas empresas que parecem não viver neste País multiétnico, multifacetado, de um grande contingente de homens e mulheres negros e negras, sem dúvida nenhuma, minha cara Márcia Bauer, é um grande avanço. Já disse isso ao Secretário Milton.

Caro Presidente Nereu D’Ávila, é lastimável que cheguemos ao final do Século tendo que colocar isso num acordo para instalação de uma empresa. Isso mostra que nos falta, ainda, integração. Isso mostra que ainda somos um País de apartheid, que só conseguiremos mudar isso se nós, que temos a consciência, nos irmanarmos nessa questão.

Há dias atrás, no dia 11 deste mês, aqui se homenageou o Dia dos Poloneses. Lembrava que a primeira palavra que ouvi, quando criança, em relação aos poloneses, não foi a palavra “polonês”, foi a palavra “polaco” que, em muitos momentos também tem uma característica de preconceito, também tem uma característica de apartheid. Por isso, precisamos, diariamente, colocar a questão da exclusão social, da exclusão étnica, da exclusão cultural. Nós, freqüentemente, estamos vendo que não estamos dando um salto para a modernidade, apesar de se falar em globalização, em modernidade, como nunca se falou. Nós não estamos conseguindo, não estamos militando, não estamos participando como deveríamos para que este País, este Estado, mude cada vez mais. Aqui, neste Rio Grande do Sul multiétnico, multifacetado, já conseguimos significativos avanços.

Nos nossos Governos temos preocupações, temos movimentos, temos programas, mas falta muito ainda a ser caminhado. Nós, minhas amigas e meus amigos, precisamos ser mais cobrados, porque do levantar até o dormir somos, freqüentemente, pressionados, cobrados e, muitas vezes cobrados por aqueles que já têm demais, inclusive chantageados. Por isso é importante que haja cobrança. Para todos cantos, para todas esquinas, mulheres, homens, esta Câmara Municipal tem sempre suas portas abertas. Nas Sessões temos o espaço da Tribuna Popular para ser ocupado por todos.

Senhores e Senhoras, precisamos de mais que um dia no combate ao racismo. Precisamos mais de um dia para nos dedicarmos à Consciência Negra: precisamos mais do que o uso da Tribuna Popular. Oxalá que sejamos cobrados para que aqui se anote a voz daqueles que, muitas vezes, nas esquinas ou em outros lugares, não são ouvidos, mas nesta Casa são.

Portanto, em nome da Câmara de Vereadores, porque esta é uma atividade da Mesa Diretora da Casa, deixo o meu fraternal abraço em nome de todos os Vereadores da Casa. Que, cada vez mais, a questão do combate ao racismo, do combate às injustiças, esteja presente nesta Casa e não apenas em um dia. Por mais importante que sejam as datas, festejar, marcar, protestar, em uma determinada data é importante. Mas, o mais importante é termos consciência desses problemas, e a eles nos engajarmos, nos 365 dias do ano. Que no raiar do ano 2000 isso torne-se uma realidade. Muito obrigado.

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: A Vera. Saraí Soares está com a palavra, pela Bancada do PT.

 

A SRA. SARAÍ SOARES: Sr. Presidente, Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Além dos registros que o Ver. Adeli Sell fez, é importante demarcarmos por que é tão fundamental para nós, negros e brancos do deste País, termos o Dia da Consciência Negra, Sessões Solenes e atividades em toda a Cidade, como esta Casa está proporcionando, nesta semana, atividades de várias formas, com feiras, com atos bem simbólicos em vários cantos da nossa Cidade. Isso é fundamental, porque o nosso País está devendo para os negros. Esses quinhentos anos estão chegando e vamos precisar mais quinhentos anos para resgatar tudo aquilo que nos tiraram. Desde que seqüestraram os negros lá da África e os trouxeram para cá - a forma como isso aconteceu todos sabem -, a nossa Cidade não conseguiu nos devolver isso. E atos como este que estamos realizando, com fatos que poderíamos citar, é uma forma de resgatar tudo aquilo que o nosso País e a nossa história está-nos devendo.

Quero deter-me em situações mais concretas, mais do nosso cotidiano, e penso que uma das coisas de fundamental importância é registrarmos que esta semana está homenageando o nosso Bedeu, falecido há pouco tempo, artista gaúcho, negro, que sempre fez questão de tocar e cantar coisas que identificassem a nossa cultura e, num Estado como o nosso, sabemos as dificuldades que o artista enfrenta.

Outra questão importante de ser registrada é que esta Casa tem-se manifestado de várias formas, sendo que uma delas foi realizar a Semana da Consciência Negra.

Outra questão, ainda, é que amanhã entrará em Pauta um Projeto de Lei, comandado pelo Ver. Renato Guimarães e outros Vereadores, para que as nossas escolas contem às nossas crianças a verdadeira história a respeito do negro. É um Projeto polêmico, que está causando discussão e debate interno. Com esse tipo de movimento é que conseguimos fazer com que a nossa Cidade, o nosso Parlamento e a nossa Câmara reflitam e discutam.

Sempre que falo nesta tribuna, faço questão de registrar que estamos em um País que é comandado por brancos, por homens e por ricos. Construir uma lógica diferente do que esse perfil de gente constrói, é difícil. Por isso, nós temos que construir políticas públicas, temos de aprovar amanhã, nesta Casa, o Projeto do Ver. Renato Guimarães, temos de conseguir aprovar a Moção de Repúdio que eu mesma protocolei e que se refere à questão do Múmia Abu-Jamal, um líder negro que foi condenado à morte e já foi determinado o dia em que ele vai morrer, e os integrantes desta Câmara têm de manifestar-se a respeito desse fato. Por isso é importante este tipo de ato aqui. É importante também aprovar o Projeto do Ver. Renato Guimarães amanhã, aprovar a nossa Moção de Repúdio e dizer que nós temos ciência de que nesta Cidade e neste País há discriminação e preconceitos e é discutindo e conversando sobre isso que a gente vai poder transformar essa situação.

Estamos chegando perto do ano 2000 e não dá mais para fazer de conta que está tudo bem. Eu, que sou oriunda da periferia da Cidade, que sou uma mulher negra, tenho muita legitimidade e tranqüilidade para falar isso. Estou muito satisfeita por poder estar aqui nesta tribuna, na Câmara de Vereadores, em uma Cidade importante do nosso País, dizendo que podemos discutir e falar sobre esse assunto e que estamos agindo concretamente. Essa é a vitória da nossa Semana da Consciência Negra na Câmara de Vereadores. É importante discutir esse assunto, é importante que fique registrado em nossos Anais e é importante que todos os Vereadores venham para a tribuna e digam o que pensam sobre a questão do negro, da mulher, dos pobres e dos portadores de deficiências. Muito obrigada.

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE: O Ver. Luiz Braz está com a palavra e falará em nome da sua Bancada, o PTB, e em nome das Bancadas do PSDB, PMDB e PFL.

 

O SR. LUIZ BRAZ: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes) Como são raros os negros que ocupam lugar de destaque em nossa sociedade, mas como é grande a população negra, principalmente aquela que se multiplica nas regiões mais pobres da nossa Cidade! Em contrapartida, os de pele branca vão ocupando os principais empregos e funções, e, quanto mais importante o cargo, mais rara ainda a presença do negro e mais farta a participação dos descendentes de europeus. A que causa devemos atribuir esse desajuste? Uma resposta difícil de ser dada, pois os motivos são os mais diversos, mas todos partem de um só tronco: a escravidão. Os negros foram trazidos para o Brasil para servirem aos senhores de pele branca e somente foram libertados quando, economicamente, não era mais necessário manter aquele tipo de relação. Historicamente, nunca o povo vindo da África, ou seus descendentes, recebeu qualquer tipo de educação ou orientação que lhe trouxesse alento. Os governos sempre foram omissos, preferindo deixar toda essa brava gente na condição de mártires inocentes. De todos os sofrimentos passados, acredito que nenhum possa calar mais profundamente do que a humilhação constante de ser considerado um ser inferior. Esquecem-se das condições a que são submetidos, e, ao invés de darem oportunidades para novos tempos, oferecendo-lhes direito a escolas, cursos de aperfeiçoamento, moradia digna, etc., preferem reforçar a humilhação, colocando essa inferioridade em um terreno onde ela estará sempre realçada.

As crianças pobres da nossa Cidade, negras e brancas, são relegadas a um terceiro plano, mas, por incrível que possa parecer, são as negras que mais sofrem. A discriminação é brutal.

Aproveito a oportunidade para fazer um relato dos meninos que vi no Parque Marinha do Brasil, no dia de ontem. Eram uns dez, quase todos negros, outros vinham chegando e se amontoando, uns bem próximos aos demais com o objetivo único de cheirar um pano repleto de produto tóxico. Não estavam escondidos; o sol ainda se fazia presente; era tarde de 15 de novembro, Dia da Proclamação da República. Não havia nenhum guarda presente, nenhum assistente social. Eles estavam ali, abandonados e entregues ao vício. As poucas luzes que ainda restam no futuro de cada um, ao poucos vão-se apagando. As autoridades se omitem. Fingem que se preocupam e preenchem seus discursos com textos que abordam soluções, mas elas apenas fazem parte de uma retórica que vai cansando a todos e, covardemente, vai anulando as possibilidades de felicidade de toda essa gurizada. Como estabelecer qualquer competição dessa forma?

Por falar em autoridades, nós só podemos criticar aquilo que chamam de solução para nosso povo. Os negros continuam sendo enganados, continuam sendo humilhados. Ao invés de escolas, de cursos, de assistentes sociais para analisar devidamente as desigualdades, nós temos, sim, as mágicas de gabinete. O Zaffari, na sua próxima loja, deverá contratar 5% de negros. Imagine, meu amigo Pernambuco, a humilhação: os negros presentes naquele estabelecimento, lá estarão não por causa da sua competência, da sua capacidade, estarão preenchendo um percentual exigido por um acordo. Mas o que poderíamos esperar de um governo que não tem nenhum negro no seu primeiro escalão? E, analisando aqui o Governo Municipal e Estadual, por que não uma escola, programas especiais que possam melhorar a capacidade de competição desse povo sofrido? Por que não assistentes sociais fazendo um levantamento de todos os problemas que temos nas comunidades mais pobres desta Cidade, deste Estado, deste País? E a consciência, como despertá-la?

Meu amigo Paulo de Tarso, que liderou essa Semana da Consciência Negra no ano passado, quando fui Presidente desta Casa, tragicamente falecido no início deste ano, tinha uma consciência perfeita de como enfrentar o problema. Ele era um professor e sabia que ninguém poderia reduzir esse problema apenas oferecendo esmolas. O negro não pode ser humilhado, não mais do que ele já o é. É preciso realçar a sua cultura para que ele jamais perca a sua ligação com a mãe África, porque a sua descendência faz parte do seu orgulho: as danças, a arte, a música, a força dos elementos da natureza, a religião, a magia da cor. Nossas autoridades, descendentes de europeus, não se preocupam muito com esses detalhes, mas eles são importantes.

Essa raça forte, raça original dos meus avós paternos, ajudou a construir este País. Influenciou em tudo, desde a comida, a vestimenta, até o gingado, a sensualidade e a cultura em geral. Esse povo merece respeito, não pode continuar a ser enganado, ludibriado, sendo tratado como de segunda classe. Onde estarão os recursos para o desenvolvimento de uma política voltada a liquidar com essa desigualdade? Onde estarão os recursos para as escolas? Porto Alegre, que possui um gigantesco orçamento para a área da educação, poderia fazer muito mais. Temos poucas escolas de nível médio. Deveríamos ter escolas especiais espalhadas por toda esta Cidade. Onde temos vila popular, deveria existir uma escola, deveria haver um programa educativo, orientador; mas, nada. Algumas migalhas apenas para justificar o gordo orçamento. Nada de prático. Muita propaganda, pouca ação. Mas a luta continua.

Nesta Semana da Consciência Negra é tempo de reflexão. Vamos raciocinar sobre o muito que está deixando de ser feito em prol da grande e forte raça negra, e quanto discurso os nossos executivos têm realizado apenas para enganar, apenas para ludibriar os incautos.

Lembrem-se, a palavra é reflexão sobre uma raça grande e forte, que serve de orgulho para todos nós. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: O Ver. Isaac Ainhorn está com a palavra pelo PDT. Solicito ao Ver. Adeli Sell que assuma a Presidência dos trabalhos, por alguns momentos, pois estou sendo chamado.

 

O SR. ISAAC AINHORN: (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Quero, de antemão, dizer aos senhores que gostaria de ver esta Casa cheia, pela importância desta Semana, pela importância do tema que expressa e reflete a Semana da Consciência Negra!

A existência desta Semana na Câmara Municipal revela a preocupação sobre um dos problemas mais sérios e não-resolvidos do nosso País, que fecha o Século XX sem resolvê-lo, sem equacioná-lo.

O nosso Partido, o meu Partido, o Partido que eu represento nesta Casa, e que foi a minha opção partidária, quando estabelecemos as bases da reconstrução do trabalhismo brasileiro, em junho de 1979, nós colocávamos como questão fundamental, prioridade nº 1 do nosso Programa, a questão do negro no Brasil; a questão das discriminações e dos preconceitos em relação ao negro.

Eu me orgulho de pertencer a um Partido, e não quero dizer aos senhores que nós temos o monopólio da causa negra, ninguém tem o monopólio da causa negra. Todos os Partidos que têm uma consciência dos problemas nacionais, devem ter presente a questão negra, mas tenho orgulho de dizer que o meu Partido abriu, nos programas partidários, a questão do negro, e bate permanentemente nessa questão. Aliás, a defesa das etnias foi uma das razões da minha opção partidária pelo trabalhismo, pelo PDT.

Os companheiros que aqui estão sabem dos longos e difíceis percursos que enfrenta a raça negra. Não preciso ir aos outros Partidos, o nosso Partido tem como ponto um, no seu programa, essa questão. O próprio ex-Governador do Estado, Alceu Collares, já declarou que sofreu discriminações, com alguns dizendo que ele não conseguiria chegar ao Governo do Estado porque é negro, num Estado de base étnica fundamentalmente alemã e italiana.

Essa Casa já foi testemunha, foi e é referência de inúmeras ações concretas em relação à discriminação do negro. Infelizmente, até hoje, companheiro Mattos, não instrumentalizamos a delegacia contra a discriminação racial, um velho sonho nosso. Muito já discutimos sobre esse tema, eu fui autor de proposta nesse sentido, embora constitucionalmente não seja a Câmara Municipal o fórum adequado, sob o ponto de vista jurídico, mas do ponto de vista sociológico, do debate, da discussão, nós introduzimos essa discussão sobre a criação da delegacia especializada em delitos contra as minorias raciais em nosso País, fundamentalmente contra o negro. Infelizmente, até hoje, essa delegacia especializada não tornou-se uma realidade, e mais do que nunca é importante a concretização dessa idéia, porque embora já haja casos de condenação por discriminação racial sabemos o quanto é difícil a definição dos aspectos legais em relação à capitulação, ao enquadramento legal, o conhecimento e até, muitas vezes, levar o fato e a denúncia à autoridade policial, e a existência de uma delegacia seria a garantia disso. Hoje, uma mulher que é agredida - porque ela é, sociologicamente, também, uma minoria - tem, na Delegacia da Mulher, a garantia de que quando chegar na delegacia para promover uma representação, ela não será motivo de chacota, nem de deboche, por exemplo: “Essa aí levou um pau do marido e vem-se queixar”, ou do negro também: “Que é que esse negrão quer, vir aqui e se queixar?” Por isso eu falo da importância das delegacias especializadas, é no cotidiano que assistimos à discriminação racial.

A discriminação racial nem sempre se caracteriza do ponto de vista de qualificação de delito, que em alguns casos é plenamente comprovado, inclusive no mercado de trabalho. Eu, particularmente, discuto, com meus amigos das várias tendências políticas, dentro do Movimento Negro, a questão das cotas. Recentemente, num acordo de autorização de implantação de um megaempreendimento, do Supermercado Zaffari - não estou criticando, estou fazendo uma reflexão - estabeleceu-se, até, do ponto de vista do interesse e do respeito à luta do negro, uma cota de garantia de no mínimo 5% de negros ocupando os espaços do supermercado. Eu, cá, me perguntava: mas no momento em que tenho que lutar, num supermercado que vai ter mil empregados, que tenha 5%, já não é um caso implícito, ter que impor uma cota de negros, já não é, subjetivamente, a configuração de uma situação que nos induz a uma má-vontade? Se não de delito racial, pelo menos de má vontade de absorção da mão-de-obra negra? Eu, sinceramente, eu tenho discutido e refletido muito sobre a questão das quotas. Eu sei que nos Estados Unidos, na luta contra o preconceito, a discriminação e a inserção, sobretudo do negro no mercado de trabalho, as quotas foram muito adotadas. Aqui mesmo, no Direito Político Eleitoral, existem as quotas de mulheres nas nominatas.

Eu não sei se não foi o avanço da luta, mas, para mim, o que determinou o maior número de mulheres nas nominatas dos Partidos Políticos não foi a quota, mas a consciência das mulheres em relação às suas lutas sociais. Isso é que determinou que esta Casa, por exemplo, tenha cinco ou seis mulheres integrando um Legislativo que era majoritariamente composto de homens e havia apenas uma mulher. Hoje mais de 10% da representação são mulheres.

E eu me pergunto, em relação às quotas do negro... sinceramente, não quero dizer que eu tenha uma posição definitiva sobre elas, ainda tenho dúvidas e faço reflexões. Agora, uma coisa eu tenho: consciência, companheiros. Estamos fechando o Século XX, o negro deixou de ser escravo, simbolicamente, há dez ou doze anos da virada do Século passado, para se tornar a mão-de-obra mais vil de todas, sofrendo as discriminações do mercado de trabalho. Ele deixou de ser escravo para se constituir, normalmente, no grande contingente de explorados, oprimidos e assalariados. Nós sabemos que mercê dessa condição, muitos conseguiram transcender a essa situação, em função da determinação e de um espírito de luta muito grande. Mas os grandes contingentes ainda são discriminados.

Eu digo isso, porque eu também me identifico e me encontro muito na luta do povo negro, pois também pertenço a uma etnia que apesar de, muitas vezes, dizerem que hoje são dominantes, que são categorias, do ponto de vista social, elites sociais, não é verdade. A minha comunidade judaica que venceu, que sofreu, historicamente, tantos e tão grandes preconceitos quanto a dos negros, ela conseguiu superar as suas barreiras através de um processo de emancipação e de libertação, pela educação.

E hoje, quando vemos negros em diversos escalões sociais, em Ministérios, em governos estaduais, o Rio Grande do Sul e o Espírito Santo foram exemplos em Secretarias de Estado; advogados, médicos ilustres, professores universitários, observamos a trajetória de luta, de determinação, de vencimento de obstáculos. Mas, no contexto, ainda permanece o preconceito e a discriminação.

Gostaria de poder dizer que essa não é uma luta para o próximo milênio, o Século XXI, mas a realidade nos obriga a manter, a ter presente esta luta. E o Século XXI vai ter nesta Casa, a Semana da Consciência Negra como desafio a toda uma sociedade, a superar as mais terríveis barreiras da discriminação e do preconceito.

Essa é a nossa luta, esse é o nosso engajamento, essa foi a nossa trajetória, a que escolhemos, acredito que é uma das lutas mais desafiantes, mais instigantes que temos para o Século XXI, a libertação do negro no Brasil. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Adeli Sell): Temos a satisfação de contar, na composição da Mesa, com a Advogada Marta Laurindo Machado, representando a Seccional Gaúcha da OAB, com uma carta do seu Presidente, Walmir Martins Batista.

Com a palavra o Sr. Juarez Melo da Silva Júnior, que representa a Coordenação da Semana da Consciência Negra.

 

O SR. JUAREZ MELO DA SILVA JÚNIOR: Sr. Presidente, Srs. Vereadores. (Saúda os componente da Mesa e demais presentes.) É com muita honra que falo em nome dessa Comissão, que pode-se dizer que é o extrato de parte do Movimento Negro organizado desta Cidade. Além da própria cronologia da história do povo negro, da resistência, que vem muito antes do primeiro negro pisar no Brasil, é de 400 anos, em Angola. O último século desse período foi dirigido por uma mulher, a Rainha Azinga. Tivemos, depois, movimentos pós-abolicionistas, onde houve um herói aqui no Rio Grande do Sul, o Almirante Negro, Cândido.

Em 1931, tivemos, aqui, no Brasil a afirmação cultural que foi no período do Estado Novo, um momento difícil para a comunidade negra, onde tivemos que nos firmar como cultura, nossa religião, nossa luta, a capoeira. Neste período também tivemos o início da imprensa negra e as lutas pela cidadania. Em torno de 1950, logo em seguida tivemos a afirmação da luta política. Estou dizendo isso para estabelecer o patamar em que se encontra hoje a luta do povo negro.

É muito importante hoje este ato nesta Casa, porque o povo negro hoje está em um patamar de verdadeira política. E essa atitude do Governo Municipal é importante, porque serve para abrir essa polêmica na sociedade, porque esse agora é o nível da luta do povo negro, o nível da inclusão do povo negro, de fato, depois de todas as lutas e etapas.

Trouxe alguns dados: apenas 5% dos negros, nos grandes empreendimentos, aqui de Porto Alegre. É uma discussão que deve ser feita no conjunto da comunidade negra, porque somos muito mais nesta Cidade e neste Estado. É uma proposta mínima, dos 5%, mas acredito que deva se ampliar, pelo contingente e qualidade de negros que há neste Estado. Apenas 19% das famílias negras se fazem valer do PRONAF, inclusive o Ministro Raul Jurgmann disse que vai chamar o Movimento Negro para discutir políticas de inclusão nesse Programa. Há alguns dados do DIEESE, do primeiro semestre, que apenas 20% dos negros na Região Metropolitana obtêm os cargos principais de trabalho. Na Região Metropolitana, os negros que tem 2º grau recebem em torno de 687 reais, um valor muito inferior aos brancos, quase em torno de 100 reais. Os negros que têm o 1º grau recebem em torno de 384 reais. São dados importantes que, neste momento, a comunidade negra, os parlamentares, todos que se dizem representantes da comunidade de Porto Alegre devem-se empenhar e discutir políticas de inclusão da comunidade negra.

É verdade, o Ver. Luiz Braz disse que a maioria dos meninos de rua desta Cidade e do País são negros, quase 100%. De fato não temos uma política com corte racial de inclusão dessas crianças. A maioria da evasão escolar que ocorre nas escolas públicas são, sim, de crianças negras, porque não há uma política direcionada para esse problema. É nesse sentido que nós, da Comissão, temos uma proposição com relação a essa Lei que se refere à Consciência Negra, no sentido de ampliar o prazo, para que ela possa se organizar e, efetivamente, consiga os seus objetivos. Até o dia 21 de novembro, teremos o material de divulgação com toda a programação. Muito obrigado.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Sem dúvida, todas essas questões estão anotadas. Esta Casa, meu caro João Alberto Mattos, tem uma tradição, e nós, que estamos hoje na Mesa Diretora e também os Vereadores, faremos todos os esforços para que possamos levar adiante todas as questões que aqui foram colocadas. Agradecemos pela presença dos componentes desta Mesa; da representante da OAB, Dra. Marta Machado; do Sr. Elton Fraga, representando a Secretaria de Obras; do Sr. João Alberto Mattos, coordenador da III Semana da Consciência Negra; da Sra. Márcia Bauer, representante do Sr. Prefeito Municipal.

Convidamos todos os presentes para, em pé, ouvirmos o Hino Rio-Grandense.

 

(É executado o Hino Rio-Grandense.)

 

Estão encerrados os trabalhos da presente Sessão.

 

(Encerra-se a Sessão às 18h34min.)

 

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